Três quartéis, uma prisão, dois cemitérios, um aeroporto, duas igrejas, mais de meia-dúzia de moínhos, algumas centenas de hectares de terras agrícolas, duas matas e muitas casas - era o que eu via das minhas janelas.
Hoje ainda diviso algumas destas coisas, muito mais casas, um hospital e aí um terço da terra agrícola. As matas, sim, permanecem lá.
Vejo é uma forma de dizer. A casa ainda a tenho. Mas passa mais de um ano que de lá não me assomo.
Um destes dias, deixarei mesmo de a ter. O cerco aperta-se. Daqui apenas vejo prédios e tenho uma vaga ideia de pastagens. Uma auto-estrada que apostei ia ser construída e cuja aposta ganhei de alguém incapaz de prever os problemas de estacionamento à porta de casa, passa ali ao fundo.
Mas hoje não. Hoje via a minha mãe clicar o rato e fazer desaparecer loteamentos inteiros.
Agora quero ver as ceifas. Clique.
Tire-me dali o hospital, mãe. Clique.
Aquela torre e a escola, clique.
Quero ver aquela rampa onde adormeci ao volante. Clique.
Um pouco mais de contraste, carregue nos verdes, clique.
Há muitos anos, um primo meu reduzia o envelhecimento a um encurtamento da repetibilidade dos fenómenos.
Que começava a tomar consciência de que os bons momentos podem ser irrepetíveis. Coisas assim, dizia ele.
O caso aqui é com a máquina, como já vos disse.
Tomei uma certa consciência de que a adaptação às novidades já não é o que era.
E que a paciência para arrumar a casa também não.
Já perdi a conta às mudanças de PC desde o ano de 89, em que pela primeira vez me debati quotidianamente com uma maquineta que me dizia C:\>
Antes disso, é certo que já tinham decorrido os gloriosos anos do Spectrum, depois ainda dos anos em que os cartões perfurados eram entregues num balcão para serem sujeitos ao escrutínio das autoridades competentes.
Aliás, o primeiro Spectrum, um denodado 48K (a gente ri-se) era pródigo em censurar o dono.
Achava ele que lá mesmo porque lhe apetecia podia impunemente trocar os caracteres das linhas de Basic por espantados pontos de interrogação, como se me dissesse que não estava de acordo que eu o utilizasse para programaçõezinhas.
Tanto o fez que foi devolvido à procedência, lá pelos idos de 83. O seu substituto jaz inerte ao lado de uma impressora cujo rolo era pouco mais largo do que o do uma caixa registadora. Memórias!
Mas nenhum desses sucessos me deixou tão mal encarado como este agora.
É que a questão não é perder os dados. Que esses não perdi. É perder as configurações das coisas que não pude ou me esqueci de pôr a salvo.
É ter que perder o hábito de procurar isto e aquilo da forma a que estava habituado.
É recuperar as milhentas coisas das quais não nos apercebemos da falta que nos fazem.
É ter que escrever neste editor de texto ao qual não estava habituado, enquanto o sistema não fica instalado com todos os utilitários da praxe.
É muita areia para a minha camioneta. Fico mal encarado, mal disposto, zangado.
Ainda há quem diga que o homem não é um bicho de hábitos.
Também há quem diga que já não há gajas boas.
As avarias têm, como tudo na vida, a sua escala.
Uma modificação irreversível a uma dada escala pode, a uma outra escala, causar uma avaria intermitente.
Que são as mais aborrecidas. Como não diz a Lei do outro, é justamente quando queremos que ela aconteça que ela não acontece. E assim se não detecta.
Pois tem sido mais ou menos isso o que sucedeu por aqui nos últimos tempos. A preguiça de esmiuçar a coisa com mais tempo também não ajudou. Mas a verdade é que se deu com ela, finalmente.
Depois de trocada a peça avariada, novo contratempo. Mas ainda assim, a parte "dura" da coisa parece agora em bom estado. Quanto à parte "mole", que não se deixava examinar em termos por causa da avaria, vai agora para escrutínio. Se houver, como parece que há, demasiados bichinhos a passear nas entranhas, prevê-se uma solução feniana.
Talvez este blogue esteja mais uns dias de molho.
Não sei em que conta se tinha o meu pai como homem de negócios. Mas não era lá muito famoso, também não era campo que lhe interessasse. Sempre foi pouco de pés na terra, embora não tivesse feito outra coisa na vida do que fincar pés (outro tipo de pés, mais pesados) na terra.
Das poucas vezes que falámos de negócios, trocámos ideias sobre negócios futuros que poderiam ser, nesses anos 70, boas oportunidades.
O negócio que ele tinha debaixo de olho surpreendeu-me. Quando dei por mim, apercebi-me que tinha feito já volumoso trabalho de casa. Falou-me da matéria-prima, de que dispúnhamos em relativa abundância e da forma como tenderiam a evoluir os seus preços, de um inicial custo negativo na aquisição a terceiros, para um custo positivo que estabilizaria numa certa casa assim que a vizinhança desse pela coisa.
Falou-me dos contactos que fizera com investigadores. Que os custos mais significativos seriam no equipamento e na dotação para investigação.
E disse-me que havia mercado. Que estava convencido disso.
Claro que a ideia nunca passou sequer ao papel. Mas era interessante. Curiosamente, mais de dez anos depois, falei nisso a alguém que estava nesse ramo da investigação e que me disse que já tinha ouvido falar em algo do género, mas muito mais recentemente, à época. Ainda hoje não existe em Portugal nada no género. E mais não digo.
Quando lhe falei na minha, que não era nenhuma novidade, era até uma ideia que já fazia o seu percurso industrial noutros países, mostrou-se céptico.
Que a questão era o tratamento da matéria-prima. Era a recolha. Era preciso uma grande capacidade de armazenamento, etc.
Hoje, andamos todos a trabalhar para essa indústria. Somos mão-de-obra não remunerada. Gostava de saber com mais detalhe quem está a encher os bolsos com isso.
Era um negócio de lixo que eu queria montar.
Assim fosse possível calibrar a razão como se calibra um joystick.
Mais para a esquerda, um pouco para trás...
Para a direita e para a frente, clique...
Tenho lido com alguma perplexidade a pouca coisa que se tem escrito sobre a iminente mudança nas matrículas de automóveis.
Estão prestes a esgotar-se as combinações 00-00-XX.
Do pouco que pude ler, não li nada que sugerisse que o que se segue é o formato 00-XX-00.
Sempre me interessei por matrículas de automóveis. Não me perguntem por quê.
E é com a habitual condescendência que leio os disparates que aparecem aqui e ali.
Intrincados cálculos combinatórios (que não têm nada de intrincado, mas assim parecem), comparações absurdas com realidades desconhecidas, de tudo aparece no pouco que se escreve sobre o assunto.
Habituei-me há muito à ideia de que o nosso sistema é semelhante ao holandês. Semelhante no sentido de não ser igual, que o deles tem lá as suas particularidades tal como o nosso tem, mas formalmente confundível. E com o atraso respectivo.
Daí que já esperasse que ao formato antigo quase coincidente com as chapas pretas, XX-00-00, sucedesse o actual, como aconteceu na Holanda.
Daí que espere agora que as letras passem para o meio.
E que, assim esgotadas as combinações de duas letras - quatro algarismos, se passe às quatro letras - dois algarismos, tal como eles o fizeram.
Temos, com este sistema, ainda pano para muitas mangas. Talvez até ao tempo em que passe a haver outro tipo de identificação. Não percebo assim as confusões sobre o que vai e não vai acontecer a seguir.
Até comparações do nosso sistema com a fase em que está o sistema holandês actual (quatro letras mais dois algarismos) já tenho lido, como se não tivesse havido história no sistema deles.
Este é daqueles assuntos que não tem assunto.
Nem sei por que raio me lembrei dele agora.
E como não sou homem de modas, o último carro que comprei ainda tem as letras no início. O próximo, com toda a certeza, não as terá no fim.