As poucas vezes que eu e o meu avô materno falámos de futebol versaram sobre as suas actuações como back direito numa equipa estudantil da Beja do tempo em que roubaram o Galo. Ou então sobre os resultados do Vitória de Setúbal, apenas a propósito da satisfação que ele antevia no coração de um compadre que tinha na cidade do rio azul.
As alusões ao compadre tenho-as presentes desde o tempo em que procurava os resultados do Sporting na competente página do jornal e ele me pedia a informação sobre o desfecho do jogo do Vitória.
Já o meu avô estava quase nos noventa quando lhe perguntei afinal qual era o seu clube. Disse-me que se inclinava para o Sporting mas que não fazia caso disso.
E já eu tinha perto de trinta anos quando o meu avô me disse que o compadre dele, que nunca cheguei a conhecer, falecera durante ou após um jogo do Vitória de Setúbal.
Hoje, parece que veio a propósito esta lembrança. Nem o meu avô nem o seu estimado compadre saberão do resultado de amanhã.
Mas já agora, que ganhe o Vitória.
Com este post, é provável que perca alguns leitores.
Nunca exijo coerência a um interlocutor a menos que o veja exigi-la a outros.
E, isso infelizmente, é o pão nosso de cada dia.
Eu já disse aqui que não sou coerente. A única coerência que pressinto é a da minha sobrevivência. Em sentido lato, a dos outros. Dos mais próximos para os mais longínquos.
Nunca me regi por cartilhas, tirei chapéu a líderes, idolatrei figurões. Quem sabe não o venho a fazer?
Mas não o tendo feito até agora, sou pelo menos poupado ao T'arrenego e às lágrimas de crocodilo.
Uma das coisas que observo com curiosidade é a parcialidade disfarçada de objectividade na defesa de certas figuras e no ataque a outras.
Sou muito redutor nestas coisas. Face a determinados conflitos, há sempre a propensão de tomar partido. Nada de novo nisso.
E quando se trata de guerras, acho que vale tudo. Considerações morais à parte, que essas levam a uma discussão infindável. E se as guerras se pudessem resumir ao tipo que quer conquistar a casa do outro sem a ela ter direito (teríamos que ver o que é que isso quer dizer), e à resposta do acossado, também eu não hesitaria em tomar partido, se a coisa se desenrolasse nas minhas barbas. Não vou a tanto quando é do outro lado da floresta. Bem sei que às vezes, em vez das barbas de molho é melhor pegar no extintor.
Não tomando partido, é-me indiferente que se matem criancinhas com mísseis ou com bombas em mochilas. São mortes de crianças. Ponto.
Tomando partido e estando até envolvido na luta, sou como qualquer outro, as minhas valem sempre mais do que as deles.
Agora, não me atrevo é a encadear longos argumentos para justificar a barbárie. Não quero fazer de mim mais estúpido do que o que sou, pois sei que os outros não são estúpidos.
É aqui que estranho (ou talvez não) que se subtraia à história de Arafat o seu passado guerrilheiro.
Confesso que nesta luta, não tenho campo. Há demasiada culpa de terceiros envolvida nas origens desta guerra. Se nos situarmos num plano objectivo, é mais uma guerra. Por território. Baixas de ambos os lados são baixas de guerra, importa pouco se vêm dos céus ou se viajam de autocarro os ventos da morte. Cada um luta com os meios que tem. São assim as guerras.
Mas para aqueles que acham que o terrorismo é uma guerra à parte, que tanto batem no peito quando se cometem atrocidades, que não há terrorismo bom e mau, etc., é bom lembrar a História.
Ela não começou nem hoje, nem na segunda metade dos anos 40, nem há 2000 anos atrás.
E o passado de Arafat é o do guerilheiro que esteve, com outros, por trás da génese de um certo tipo de terrorismo de cariz rácico e religioso, no passado século XX e do qual temos hoje novas versões. O terrorismo não foi inventado nessa época, mas foi seguramente reinventado. Tratou-se de actos de guerra? Pois tratou.
Mas qual é a diferença entre esses actos e os que tanta gente hoje condena?
Eu confesso que não vejo nenhuma.
Como, repito, não vejo diferença entre a criança morta pelo míssil "inteligente" e a que morreu num autocarro por via de uns cartuchos de dinamite ou outro explosivo qualquer.
A elevada dependência da rede para produzir algum tipo de trabalho às vezes descamba para zonas cinzentas da compreensão.
Dei comigo a preparar-me para fazer uma Google search nas minhas próprias memórias, algures entre o sonho e a realidade.
Vale a pena dizer mais alguma coisa?
Um dos aspectos mais ridículos do jornalismo actual é a anacronia que contrasta com o frenesim das últimas.
Quando eu comecei a ler jornais, não era espanto que uma notícia com três ou quatro dias fosse a actualidade.
Mas hoje, quando há a possibilidade de se já estar no local antes da notícia, o que de resto sucede mais do que seria de prever, torna-se difícil aceitar que se destaque uma notícia (ou uma previsão de notícia) que toda a gente já sabe que não aconteceu.
Quase todos os dias há notícias que são apresentadas com uns contornos dos quais se sabe há largo tempo não serem verdadeiros.
Vemos imagens recolhidas há horas e horas, como se fossem um directo.
Outras vezes assitimos à leitura de despachos das agências, verificando que quem os lê não faz a menor ideia do que está a ler, nem de há quanto tempo o texto foi produzido.
E fica-se a pensar quanto tempo antes se fecha um noticiário. É que muitas das vezes é do jornal de há quarenta anos que me lembro.
Eu gostava também de ter uma licença.
Quero dizer, mais uma. A única que tenho permite-me conduzir veículos ligeiros.
Não é grande coisa. Mas é útil. Posso sair dos caminhos do monte para a via pública.
Eu digo assim outras. Mesmo que não se saiba nada do assunto, calha bem ter uma licença de qualquer coisa.
Licença para elaborar um relatório depois de olhar para o palácio.
Licença para vender banha da cobra.
Licença para escrever num papel chá de erva cidreira.
Licença para requerer.
Qualquer coisa.
Qualquer licença me servia.
Dá-me licença, se faz o favor...
Há quatro anos, depois de uma longa jornada no lombo do meu fiel companheiro de lata, desaguei num quarto de hotel de província, após me bater com um naco de carne daqueles que a gente sabe. O tinto também se recomendava.
Entre as nove e as dez, que é como quem diz com um olho no burro e outro no elefante, lá ouvia o que os repórteres e comentadores tinham a dizer sobre a disputa nos States.
E, na paz de quem tinha o dia ganho, alheio aos palpites e às considerações em fundo azul e vermelho, foi imaginando a neblina fria que pairava no exterior e gozando o calor das mantas que me deixei embalar.
Acordei como adormecera. Com as mesmas caras no écran, o que me levou a suspeitar que era insónia. Não era. O dia despontava e os homens lá diziam que a coisa estava má para se decidir.
Não costumo dar aqui muitos palpites sobre política.
Até porque considero que, quando se trata da coisa pública, o melhor é intervir. E intervir, agindo. Não ficar de fauteuil a debitar críticas e loas a este e àquele.
Neste caso, porém, é totalmente inútil dizer ou agir.
Vejo a coisa como um fait divers, embora saiba que ela me pode afectar.
De qualquer forma, não me parece que Bush seja tão mau como o fazem, nem Kerry tão bom como o querem.
Depois, está por provar que seja um homem só a ditar o que quer que seja. Há as companhias, sim. As más e as boas, seja lá o que fôr o que isso signifique.
Mas há as outras, as que governam sempre a América, faça chuva ou faça vento. E essas, como sabemos, não estão sujeitas a sufrágio.
O que fôr, soará. E não me tira o sono.
Lá que gostava de estar amanhã à noite no mesmo quarto de hotel, ah isso gostava.
Não vai ser possível.
Mas já falta pouco para me fazer à estrada.
Por causa do spam contínuo, há algum tempo que activei o filtro de forma a só receber mails de origem conhecida.
Ora, isso teve como consequência óbvia o facto de e-mails de leitores que até agora eu não tinha registados, terem sido retidos e ido direitinhos para o caixote do lixo.
Peço assim a vossa compreensão e o favor de deixarem um curto comentário a avisar sempre que enviarem, pela primeira vez, um mail para mim.
Obrigado.
Parecerá que não, se considerarmos a tradução acima da interrogação que todos conhecem.
Parecerá que não é um bom tradutor.
Mas digo-vos, àqueles que não conhecem, que vale a pena testar este tradutor. Surpreendeu-me muito positivamente com o inglês e com o francês, as únicas línguas em que posso aferir a coisa.
Está, nas palavras de certo futebolista, a quilómetros-luz de qualquer outro que eu conheça (façam a conta e vejam quanto é que isso dá em tempo).
Foi uma dica de um amigo, o único blogueiro ou ex-blogueiro que eu conheço em pessoa.
"É muito dfícil educar um povo." - uma das coisas que sempre me intrigou foi a razão pela qual o meu velho e bom amigo J.d'. usava esta frase como prefácio em noites de engate.
Mas lá que resultava, resultava.
Nem ele nem eu, modéstia muito à parte, tivemos muitas razões de queixa do género feminino.
Mas não era nada disto que eu pretendia dizer.
Pego no Relatório Anual da Sinistralidade Rodoviária de 2003 da D.G.V. e, a páginas 16, leio:
"No que respeita aos condutores intervenientes em acidentes, 84,7% foram sujeitos ao teste de alcoolemia. Destes, 3,6% apresentavam uma taxa de alcoolemia superior a 0,5 g/l e cerca de 2% uma taxa superior a 1,2 g/l."
Suponhamos, o que não é certo, que os 2% são 2% dos que foram sujeitos a teste. Teríamos 3,6% + 2% = 5,6% de condutores em infracção.
Suponhamos ainda, no limite do absurdo, que os restantes 15,3% (condutores intervenientes em acidentes, não sujeitos ao despiste do álcool) se encontravam alcoolizados: Temos uma percentagem de 20,0% (15,3% + 4,7%*) de condutores intervenientes em acidentes em que a influência do álcool pode ter sido a causa do desastre.
O relevante disto é que, mesmo nesse caso absurdo, 80% dos condutores que causam ou sofrem acidentes não estão sob o efeito do álcool.
Sou a favor da penalização e das campanhas contra o álcool na estrada. Sobre isso, nada a acrescentar.
Agora o que me faz espécie é esta ideia repetida e falsa de que o álcool é a principal causa dos acidentes na estrada.
Se não são os números que nos dizem isso, é o quê? É porque tem que ser?
Na minha reputada ignorância, e apenas observando a amostra que conheço, chego à conclusão de que a maioria dos acidentes acontece porque os condutores não sabem conduzir.
Tal como não sabem muitas outras coisas.
Voltando ao J.d', e se é assim tão difícil educar um povo, por que não amedrontá-lo? Não foi isso que se fez sempre, pelos séculos dos séculos?
Se parece que resultou com o álcool, por que não estender as fortes penalizações a todos os que causarem acidentes com feridos, por exemplo?
É por a medida não ser popular?
*os 5,6% dos 84,7% que foram submetidos a teste, são 4,7% do total.
Há aquela velha história dos dois fidalgos que se batem em duelo para decidir quem cederá a passagem a quem, numa viela estreita em que as duas carruagens não cabiam a par.
Nenhum dos dois admitia ser menos cavalheiro do que o outro.
Um destes dias, aconteceu-me o insólito.
Em certa porta de um edifício público que me preparava para abandonar, um outro homem intentava entrar.
Estando a porta fechada, abri-a e cedi-lhe a passagem.
O homem hesitou, observou-me de alto a baixo, e em tom crispado, balbuciou um obrigado.
Julgava eu que, nestes casos, se aplicava a regra contrária à dos transportes públicos em que aí sim, primeiro saem os que estão, depois entram os que não estão.
Parece que me enganei.
Como o meu traje e o meu aspecto se inscrevem no que podemos chamar modal para um homem de 45 anos, ficou-me uma certa indignação pelo olhar contemplativo que o dito cujo me deitou.